Quando eu lembro de 2011, sou quase capaz de sentir de novo o aroma da comida caseira (carregadíssima na pimenta) misturado ao cheiro de grama recém-cortada que vinha diariamente do pequeno jardim localizado nos fundos da casa. Aquele foi o meu lar durante os três meses em que vivi em Cambridge, uma adorável cidadezinha bucólica a cerca de 80 km de Londres.
Preciso confessar que, apesar disso, já estou com o computador aberto há alguns minutos tentando organizar as memórias dessa viagem de forma que elas caibam em um único texto. É que, apesar de escrever ser uma das coisas que eu mais gosto de fazer na vida (junto com fotografar, dormir e, claro, viajar), quando o assunto envolve sentimentos eu travo. Afinal, como é que eu vou traduzir tudo isso em palavras?
Como vou explicar a sensação de deitar às margens do Rio Cam para observar os punts durante uma tarde de verão? Ou o frio na barriga que eu senti a caminho do meu primeiro dia de aula em terras britânicas? Como descrever a sensação deliciosamente única de comer scones (aqueles pãezinhos típicos, servidos quentes, com geleia e manteiga) todos os dias ao cair da tarde? Hm… Talvez essas fotos ajudem um pouquinho:
O Rio Cam deu nome a cidade e passa nos fundos das faculdades mais importantes de Cambridge.
A região mais agitada do rio é onde ficam os punts, mas também há áreas mais tranquilas, como esta que aparece na primeira foto.
Eu tinha acabado de completar 17 anos quando embarquei rumo à terra da rainha. Ao contrário do que sempre escutei aqui no Brasil, os ingleses foram muito receptivos e carinhosos comigo. Tive a sorte de ficar hospedada em uma host family maravilhosa, composta por um casal aposentado que tirava sua renda mensal do aluguel dos estudantes — o que foi muito legal, pois acabei convivendo com gente de diversas partes do mundo enquanto estive por lá. Dentre os meus housemates, havia uma síria, uma turca, dois italianos, um russo, uma suíça, um colombiano… Ufa! Só à base de muito inglês (com british accent, of course!) e gesticulação para dar conta da comunicação naquela casa de nacionalidades mil.
Atencioso, o senhorzinho de pelo menos 70 anos responsável pela casa, o Mr. Lindsay, estava sempre perguntando sobre o nosso dia, dando dicas de lugares diferentes para visitarmos e mostrando-nos seus costumes ingleses (como a forma de cultivar as flores multicoloridas em sua estufa ou sobre como preparar o chá com as proporções adequadas de ervas e de água).
Um pedacinho do nosso charmoso jardim.
Mas a troca de experiências, costumes e cultura não ficava só dentro de casa, não. Foi na escola que conheci meus melhores amigos e companheiros de intercâmbio. Pessoas com quem eu me identifiquei desde o primeiro dia e que estiveram do meu lado em todos os momentos por lá: desde os almoços corridos entre uma aula e outra (estilo ‘to take away’), até as viagens pela Inglaterra.
Na escola, com alguns dos meus classmates
Juntos, conhecemos a cidade costeira de Brighton e mergulhamos em suas águas congelantes; visitamos o enorme estádio do Manchester United na companhia de indianos fanáticos pelo time; dançamos até o sol raiar no The Cavern, pub subterrâneo em Liverpool onde os Beatles fizeram suas primeiras apresentações; assistimos ao incrível musical do Rei Leão em um teatro londrino e conhecemos o castelo que inspirou a escritora J.K Rolling a criar a história do Harry Potter em Edinburgh, na Escócia.
Brighton foi a primeira praia de pedrinhas que eu visitei na vida!
No nosso primeiro dia em Londres corremos para conhecer o Big Ben.
The Cavern Pub e o Beatles Story Exhibition, em Liverpool.
Aquela foto clichê na fronteira…
Nem o clima instável da Inglaterra conseguia nos impedir de explorar cada cantinho das cidades.
Provamos todos os tipos de comida; frequentamos os festivais que tomam conta dos parques durante o verão; perdemos a voz no show do Jim Morrison; assistimos a uma remontagem de Hamlet nos jardins da St John’s College e a um deslumbrante show de fogos de artifício no Parker’s Piece; caminhamos por entre as faculdades onde Isaac Newton, Charles Darwin, Stephen Hawking, Ernest Rutherford e Alan Turning estudaram e conhecemos todas as baladas e pubs da pequena e acolhedora cidade de Cambridge — inclusive o Eagle Pub, onde os dois cientistas responsáveis pela descoberta do ‘segredo da vida’ anunciaram a existência do DNA pela primeira vez!
Também visitamos pubs mais underground, afinal estávamos na Terra do Rock’n Roll, right?
Pois é, o dia a dia em um intercâmbio é sempre cheio de descobertas e aprendizados. Parece que a cada manhã, ao acordarmos, o mundo se reconfigura do lado de fora da porta — só esperando para ser explorado de novo (e de novo, e de novo…). O que nos resta é aceitar o convite!